Não sei se o que vos narro agora foi um sonho, pois
mal cheguei a dormir antes de ter esta visão que vos relato. Eu seguia por uma
estrada inóspita como todo jovem que se entrega a aventurar-se em qualquer
caminho incerto. Logo à minha frente seguia uma senhora louca (isso mesmo,
louca) como sempre de cabeça baixa e murmurando de si para si um monte de
frases ininteligíveis. Ela carregava consigo uma frágil sacolinha plástica, que
pelo trecho que pude entender de sua confusa canção estava contendo um pouco de
pão. A música que ela cantava depois de um tempo chegou a ser irritante, pois nada
dizia e o que ela apenas repetia era: “cinquenta centavos eu pago, não pagarei
sessenta, pois ficará caro alimentar-se do pão”. Impaciente de tanto permanecer
à sombra desta mulher enquanto ela percorria a estradinha andando sempre à
minha frente, decidi que logo adiante eu tomaria a dianteira e assim me
livraria da irritante canção.
O que se sucedeu daí a poucos instantes foi que um
lobo surgiu bem a nosso frente, tão vil e mesquinho quanto a loba que Dante
enfrentara no inferno sozinho. O animal estava louco rosnava para si e pra tudo
que por ele passava, espumava e mordia a si mesmo misturando sangue à espuma
enquanto se autoflagelava. Seu espumar igualava-se a um barril de cerveja
quente que após agitado e aberto lança seu conteúdo fora e começa a descer pela
borda em seguida como rio de lava.
A velha senhora ainda seguia à minha frente alheia
aos perigos que estava exposta, ignorava tudo enquanto cantarolava ̶ até mesmo o fato de haver um estranho andando logo
às suas costas. Aproximávamos-nos cada vez mais do lobo e muito mais ele
sangrava e espumava. Seu olhar só tinha insanidade e fúria e não se podia saber
o que o futuro nos preparava.
Pouco depois temeroso pela minha vida e cheio de
piedade pela frágil senhora tomei em mãos um porrete que se achava no chão. O
lobo preparou seu ataque e em seu olhar eu só distinguia sangue e fúria. Mas
mesmo a senhora estando à minha frente ele avançou sobre mim, resguardando a
frágil velha de mais e mais penúrias.
O lobo avançou em meu pescoço e então do leve sono
despertei saudável e livre de lamúrias. Porém não consegui esquecer tão
simbólica criatura. Pensei ser o sonho uma fábula que me foi dada para
despertar, para ver todo mal que surge nos lugares onde não se pensa encontrar.
Tomei este breve sonho como lição, mas não sei qual
moral dela tirar. Se era o lobo piedoso por desprezar a frágil velha e ao mais
novo atacar ou se era um cruel assassino que me vendo armado contra si achou
cauteloso ao mais forte primeiro matar.
A lição é que mesmo um lobo louco é capaz de
reconhecer o perigo, ao mesmo tempo em que em defesa própria também age
piedosamente ignorando aquele que não lhe oferece risco.
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